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ARTIGOS

Autor: Clemente Ganz Lúcio
24/09/2018

Qual é o futuro do sindicalismo? Organizar quem e quantos?

O sindicalismo é resultado da construção política e voluntária de trabalhadores que decidem se associar; construir laços de solidariedade, a partir da condição de assalariado, servidor, conta própria e de subordinados no sistema produtivo; criar identidade que se constitua de classe; compreender o mundo em que vivem; imaginar movimentos de luta para mudar a situação. Esses são desafios que, se respondidos, darão o sentido para a organização.


Mas organizar quem e quantos?


O país tem hoje uma população estimada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de quase 208 milhões de habitantes, que deve crescer até atingir cerca de 230 milhões, nos anos 2040.


Atualmente, cerca de 170 milhões de pessoas têm idade para trabalhar, ou seja, têm mais de 14 anos de idade. Desse contingente, cerca de 62% compõem a força de trabalho ativa, ou seja, quase 104 milhões, dos quais 95% são trabalhadores e trabalhadoras e 5%, empregadores. Entre os 66 milhões que não compõem a força de trabalho ativa estão os idosos, os jovens, mais mulheres do que homens, que não estão no mercado de trabalho.


Os jovens, pessoas entre 14 e 29 anos, são 52 milhões, que, nos próximos 30 anos, serão a base da força de trabalho do país. Por isso, essa deveria ser a população prioritária para a ação sindical. O movimento sindical deveria atuar intencionalmente no processo de formação, prioritariamente no ensino médio e superior, participando da formação para a cidadania crítica e plena, bem como da orientação para a vida que se inicia no mundo do trabalho.


Essa tarefa acaba negligenciada por parte do movimento sindical, que deixa ao setor patronal a formação da força de trabalho e abdica de participar desse momento precioso de construção de visão de mundo dos novos trabalhadores. O movimento sindical do futuro se renovará se o jovem for sujeito ativo da reestruturação do sindicalismo.


Os 104 milhões que compõem a força de trabalho ativa estão distribuídos em 91 milhões de ocupados e 13 milhões de desempregados. O cuidado com a situação dos desempregados precisa adquirir sentido de urgência e passar a ser uma prioridade sindical permanente. Isso porque o desemprego combinado, com precariedade e insegurança laboral, é, e será cada vez mais, um problema estrutural a atormentar a vida dos trabalhadores.


A heterogeneidade caracteriza a condição dos 87 milhões de trabalhadores ocupados (com os 5 milhões de empregadores, são 91 milhões de ocupados, segundo estimativa do IBGE). Cerca de 33 milhões são assalariados com registro em carteira de trabalho e 11 milhões são assalariados na ilegalidade, sem registro. Juntos, representam metade da força de trabalho ocupada e são a grande base da ação sindical no setor privado. Esse é o universo central da reestruturação sindical, que deverá repensar as estratégias para organizar e representar esse contingente de assalariados e para tirar da ilegalidade e da desproteção os 11 milhões de assalariados sem carteira.


Os servidores púbicos são pouco mais de 11 milhões, com proteção sindical, mas sem direito de negociação. A organização sindical desta categoria, além de promover os direitos trabalhistas, tem o desafio de recolocar em debate a centralidade da função social do servidor e a promoção de um Estado social moderno.


Juntos, assalariados e servidores, totalizam 55 milhões de trabalhadores (2/3 dos trabalhadores). A organização deles precisa ser reestruturada para ampliar a representatividade, crescer na capacidade de mobilização, ter incidência regulatória no sistema de relações de trabalho por meio da negociação, produzir poder de pressão, gerar capacidade para participar do debate público de maneira propositiva, entre tantos outros desafios.


Há ainda outros 23 milhões de trabalhadores por conta própria e mais de 6 milhões de empregadas domésticas, contingente com baixíssima proteção social e sindical. As mudanças no mundo do trabalho tendem a aumentar o número desses trabalhadores. Esse grupo representa 1/3 da força de trabalho ativa e é a mais desprotegida e desorganizada. A reestruturação deve criar uma resposta inovadora em termos de organização sindical para eles, o que representa muitos desafios.


A distribuição setorial dos 87 milhões de ocupados indica que 51% trabalham no setor de serviços, 18%, no comércio, 12%, na indústria em geral, pouco mais de 8%, na agricultura, e quase 7%, na construção civil. O cruzamento entre os setores e as formas de ocupação constitui um quadro de referência fundamental para repensar a organização sindical, em que o emprego na agricultura e na indústria perde participação para um número crescente, que já reúne 70% dos trabalhadores ocupados, nos serviços e no comércio.


As lógicas que orientam estrutura, organização e o sistema de relações de trabalho desses trabalhadores precisam ser estudadas, porque os sistemas produtivos desses dois segmentos têm lógicas distintas daquelas presentes na indústria e na agricultura. Essas lógicas estão em transformação profunda e a inovação tecnológica impactará gravemente esses empregos.


É imenso o desafio do movimento sindical, pois precisará se reestruturar para colocar 100 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, ocupados ou desempregados, em movimento. Será preciso repensar a organização da ação sindical, em um novo e complexo mundo do trabalho, em mudança contínua e acelerada.


A desigualdade ganha novos contornos e se aprofunda. Será preciso repensar uma organização solidária de classe, capaz de responder ao trabalho imaterial, para formas flexíveis de contrato, precárias condições de trabalho, ocupações inseguras, instáveis e mutantes.

O sindicalismo será renovado se a reestruturação responder àquilo que é a essência do velho sindicalismo: que luta porque é solidário; é solidário porque se associa à identidade de justiça e de igualdade; se associa porque se descobre como sujeito de uma classe, e luta.

Articulista: Clemente Ganz Lúcio
Sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. É colunista do Brasil Debate.
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